“O Escândalo” se propõe a denunciar assédio sexual mas se perde no caminho

Charlize Theron as ‘Megyn Kelly’ and Liv Hewson as ‘Lily Balin’ in BOMBSHELL. Photo Credit: Hilary Bronwyn Gayle.

Por: Daniel Marques Vieira

Precisamos falar sobre violência contra a mulher. É um problema grave e com raízes profundas na nossa sociedade. Precisa ser denunciado e figuras públicas envolvidas em assédio e outros tipos de violência não podem ser perdoadas. Mas pela importância do tema, é essencial que ele seja tratado de forma honesta e com responsabilidade. O Escândalo (Bombshell, no original), filme que chega aos cinemas nesta quinta-feira (16/1) se propõe a entrar a fundo no tema, mas escorrega no percurso. 

A trama retrata uma história real: em 2016, um escândalo estourou na mídia americana – o diretor do canal de notícias Fox News, Roger Ailes, foi alvo de diversas denúncias de assédio sexual no trabalho. ( O canal, conhecido por ser conservador, teve um papel importante na campanha de Donald Trump. Então dá para imaginar que foi um caso que causou impacto gigantesco nas vítimas e balançou a estrutura de poder nos EUA.

Nesse contexto, o filme adota uma postura didática sobre o assédio sexual no ambiente de trabalho, chegando a quebrar a quarta parede várias vezes para explicar o contexto a quem assiste. Por conta do tema, o filme é chocante – acerta ao pautar um assunto extremamente necessário de ser abordado. Mostra como um ambiente conservador tira o crédito de mulheres que alegam ser vítimas de abuso, antes mesmo de qualquer investigação, perpetuando assim a violência. 

O filme ganha pontos pela ousadia de representar figuras reais sem máscaras. Vemos figuras importantes para o contexto político dos EUA na pele de ótimos atores. Além de Roger Ailes, o diretor da Fox News interpretado por John Lithgow, cuja caracterização contribuiu muito para indicação do filme ao Oscar de Melhor Maquiagem, Bill Shine (ex-executivo da Fox e posteriormente membro da equipe de comunicação de Donald Trump) e Rudy Giuliani (ex prefeito de Nova York e advogado particular de Trump) também são representados sem medo pelos atores Mark Moses e Richard Kind.

Nicole Kidman e Charlize Theron impressionam como as apresentadoras Gretchen Carlson e Megyn Kelly. Atuar como alguém que realmente existe é sempre complicado, mas as atrizes conseguem incorporar as personagens e entregam muito bem as cenas de tensão. Vale dizer que Charlize Theron mereceu a indicação ao Oscar de Melhor Atriz.

O filme empolga, (quem não gosta de ver os protagonistas vencerem a luta?), mas o retrogosto é amargo. Quando os créditos sobem e começamos a analisar o que vimos, questões importante aparecem. Primeiro vale notar que o filme é escrito e dirigido por homens – Charles Randolph e Jay Roach, respectivamente. Esse fator parece imprimir na trama ares de batalha e intriga política, “nós contra eles”, e deixa de se aprofundar no impacto psicológico que o assédio sexual tem nas personagens. Para ser justo, uma única cena é dedicada a isso.

O roteiro delega à Margot Robbie um papel infeliz, apesar da atriz apresentar um ótimo desempenho. Das protagonistas, Kayla Pospisil é a única que não representa uma mulher que realmente existe. A intenção era criar uma personagem que servisse ao didatismo do filme. Como retrata o momento em que as denúncias de assédio explodiram na mídia, portanto algum tempo depois dos abusos, o roteiro criou a personagem de Margot Robbie apenas como uma ferramenta para mostrar a violência em tela. Para piorar, apesar de falar contra a objetificação das mulheres, o filme não hesita em exibir cenas desnecessariamente explícitas. Um pouco de criatividade da direção e da fotografia seria suficiente para mostrar a gravidade do que está acontecendo sem levar adiante a objetificação que diz combater. A personagem criada por Charles Randolph perpetua estereótipos batidos, preconceituosos e prejudiciais – é a mulher bonita e sensual, mas inocente de tudo. 

Kayla Pospisil ainda serve a outro propósito questionável – que é pintar religiosos e conservadores como hipócritas, de forma maniqueísta. É uma provocação feita no lugar errado – empobrece o debate e gera bloqueios na audiência que realmente precisa ouvir o que o filme tem a dizer.

O Escândalo é uma produção com boas intenções, mas que se perde por não entender a responsabilidade que tinha.