No DF, acervo histórico de Álvaro Tukano celebra a força da luta indígena no país

A fim de preservar e difundir informações sobre a coleção reunida ao longo dos 40 anos de Álvaro Tukano pela luta pelos direitos dos povos indígenas, profissionais do DF se debruçam sobre um vasto material do líder político, abordando temas da cultura e da luta indígena na América Latina. É o projeto “Memórias Indígenas das Etnias da América Latina”. 

Com o foco de abraçar interessados em realizar intercâmbios culturais com os povos indígenas, uma equipe do DF está imersa no acervo de Álvaro Tukano, importante pesquisador e ativista na luta dos povos indígenas do Brasil. Além de pesquisar e investigar o acervo dele, a equipe elabora um espaço virtual para fruição dos itens inventariados para que pessoas e comunidades interessadas na promoção e fortalecimento da cultura indígena possam ter acesso a esse material. A ideia é  integrar as diferentes etnias indígenas das Américas e do mundo, fortalecendo seus laços de solidariedade e consolidando uma rede de difusão e perpetuação cultural de práticas ancestrais, possibilitando material de investigação para pesquisadores, estudantes da rede de ensino fundamental, médio e  acadêmicos indígenas e não indígenas.

A partir do acervo catalogado será desenvolvida a exposição “Vida e Luta de Álvaro Tukano”, que ficará aberta para visitação gratuita durante 15 dias na casa Bahsákewii. A exposição contará com palestra de Tukano, além de duas rodas de conversa, previstas para serem realizadas na casa Bahsákewii e na maloca da Universidade de Brasília, destinada a comunidade acadêmica e sociedade em geral.

QUEM É ÁLVARO FERNANDES SAMPAIO?

Nascido em 1953, Álvaro Tukano está na luta pelos direitos dos povos indígenas, há muito tempo, sendo um dos primeiros líderes indígenas do Brasil a tentar diálogo com o governo brasileiro. No início da década de 1980 já se reunia com lideranças locais da sua terra, Balaio – AM e foi a partir dessas articulações, com o objetivo de reivindicar a demarcação de territórios indígenas e a revogação do caráter de tutela imposto pelo Estado, que esteve presente junto a outros líderes indígenas  em sua primeira caravana indigena rumo ao Congresso Nacional para participação na Assembleia Nacional Constituinte (1987 – 1988). De 2015 a 2019 foi o Diretor do Memorial dos Povos Indígenas, período de realização de várias atividades no espaço como o “Festival Moitará” e a exposição “Séculos Indígenas”, que realizou a capacitação de indígenas em mediação  e gestão cultural. 

Tendo nome de batismo Doéthiro, que em tukano significa: Espírito do primeiro homem da Humanidade do povo Yepá-Mahsã, da linhagem Imiko Nekîî, o Criador do Universo, Álvaro Tukano é neto e filho de líderes do Povo Tukano. Seus pais são Casimiro Lobo Sampaio (Akito, uma liderança tribal da Aldeia São Francisco do Rio Tiquié, pertencente ao Distrito de Pari Cachoeira) e Guilhermina Lobo Sampaio.

Álvaro Fernandes Sampaio Tukano é o nome dado pelos padres salesianos durante a catequização dos povos indígenas do Alto do Rio Negro – AM nos anos 60. Hoje, o líder indígena com mais de 40 anos vividos na política indigenista nacional, traz em sua trajetória importantes lutas e pautas. Teve participação da criação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), a antiga UNI (União das Nações Indígenas), trabalhou na criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), na Associação Latino-Americana de Povos Indígenas (COICA), provocando uma rede de comunicação entre os povos. Foi porta-voz da luta indígena em viagem para Rotterdam – Holanda, ao relatar a tutela abusiva do estado brasileiro com a população indígena brasileira. Suas participações internacionais proporcionaram mudanças políticas indígenas significativas no Brasil.

Tukano, juntamente com outros líderes indígenas, ajudou na demarcação dos territórios indígenas do Alto Rio Negro. Atualmente, mora em Brasília com sua família na casa de cultura Indigena Bahsakewii, localizada na região do Noroeste – um território de resistência que luta pela regulamentação da terra em meio a especulação imobiliária da capital.

Mas a sua história de luta começa muito antes. Desde pequeno lhe foi ensinado por seus ancestrais a lutar através do diálogo, e por isso, quando Álvaro Tukano tinha 10 anos de idade seu pai autorizou que fosse levado para estudar na escola missionária na qual os Jesuítas ensinavam crianças indígenas a falar português. Porém, o método de ensino utilizado era excludente e violento. As crianças indígenas não podiam se expressar em sua língua materna, sofrendo risco de penas físicas. Aos 12 anos, Álvaro ficou doente e seus  pais, mesmo sem autorização, o tiraram da escola para cuidar da saúde da criança com métodos milenares de seu povo Ye’pa-Mahsã. Este ato acabou incentivando outras famílias indígenas a fazer o mesmo.

Uma luta pelo direito dos povos indígenas com mais de 40 anos e durante esse percurso desenvolveu um acervo com 140 objetos antropológicos e uma biblioteca com cerca de 2000 exemplares, sendo 200 desses livros considerados raros. Atualmente esse acervo está alocado na casa de Álvaro sendo degradado por insetos, mofos, sujeira, água, incidência direta de luz e tudo isso por estar acondicionado de forma incorreta,  o que aumenta os riscos de degradação e estimulou a criação do projeto. Além de que a forma como esses objetos estão alocados inviabiliza pesquisas e interfere diretamente na capacidade de comunicar a história indigena que o acervo e a biblioteca possuem.

Dentre os nomes da equipe, estão a diretora geral Desiree Calvis e a museóloga Letícia Amarante. As profissionais, conhecidas no DF pelo relevante trabalho que tiveram no inventário e pesquisa do acervo histórico de Dulcina de Moraes, foram premiadas em 2023 com o Prêmio José Aparecido de Oliveira, que reconheceu importantes iniciativas que auxiliam na manutenção do patrimônio artístico de Brasília. Agora, no acervo de Álvaro Tukano, os desafios continuam.

“Conheci o Sr Álvaro Tukano quando eu estava na graduação de Museologia na Universidade de Brasília durante uma visita técnica no Memorial dos Povos Indígenas. Ele estava organizando o ‘Moitará’, que reuniu diversas lideranças indígenas em Brasília. Desde então, acompanho o líder indígena ouvindo seus conselhos, estudando sua cultura, participando das práticas tradicionais e compartilhando as suas medicinas. O Sr. Álvaro sempre muito acolhedor, bem como a sua família, que abriu as portas de sua casa para receber pessoas como eu, interessadas na causa indígena, num mundo mais saudável, sustentável e acessível para todos. Me sinto muito grata pela oportunidade”, comenta a museóloga Letícia Amarante.

Dentre as ações do projeto Memórias Indígenas das Etnias da América Latina, estão o inventário do acervo em planilha virtual, a construção de um website site com o plugin do TAINACAN para base de dados, catálogo  por meio de fichas catalográficas em coleções da base de dados, divulgação e difusão do site para acesso do público público e as estratégias de discussão para tornar público o acesso ao acervo físico como patrimônio cultural material e imaterial brasileiro.

Hoje, Álvaro Tukano, não é apenas um líder, mas é um pensador crítico, pensador, pesquisador e intelectual de reconhecimento internacional, posição conquistada através de sua história e luta em prol da justiça, memória e verdade em relação aos povos indígenas e sua história. A documentação do acervo visa, além da conservação, realizar a disponibilidade para consulta e usufruto de público externo. Um acervo que preserva as memórias indígenas das etnias da América Latina através da memória viva de Álvaro Tukano, um líder que se dispõe a compartilhar todo esse conhecimento em vida.

FICHA TÉCNICA: Direção Geral: Desiree Calvis / Produção Executiva: Naiara Tukano / Museóloga: Letícia Amarante Cardoso / Pesquisador: Álvaro Sampaio Tukano / Produtor de Imagem (Audiovisual): Lyanna Soares / Coordenação de produção: Luvan Prado Sampaio / Assistente de produção:  Álvaro César Sampaio, Hellen Paru’una Kariú, Igor Moreira Baldez Silva / Produção de Texto: Hellen Paru’una Kariú / Intérprete de Libras: Thais Lobeu / Designer: Giovanna Calvoso / Mídias Sociais: Lunares Ayla / Assessoria de Imprensa: Josuel Junior / Intérprete de Libras: Thais Lobeu