Especial

Artigo: A responsabilidade dos governos na tragédia no setor de bares e restaurantes

Por Percival Maricato, Presidente do Conselho Estadual da ABRASEL SP

O setor de bares e restaurantes é muito expressivo no panorama econômico e social do país. É composto por cerca de um milhão de empresas (antes da crise), com dois sócios e pelo menos cinco funcionários, em média. Portanto, pelo menos sete milhões de pessoas se ocupam diretamente na sua operação e, se cada um tiver em média um dependente (pode haver quem não tenha nenhum, mas há os que têm vários), são 14 milhões de brasileiros, nada menos 6,6% da população do país. Some-se os fornecedores e prestadores de serviço diretos e, muito provavelmente, ultrapassaremos os 9% da população.

Com a paralização das atividades, aproximadamente 20% do setor fechou as portas, 200 mil estabelecimentos, atingindo, portanto, 1,2% da população. São 400 mil pequenos empresários, um milhão de trabalhadores. Os que não fecharam as portas definitivamente estão extremamente fragilizados. A cada dia, centenas encerram as atividades. O drama continuará por um bom tempo, pois mesmo onde foi permitido abrir as portas, os clientes são poucos, ainda estão temorosos do Covid, muitos em home office, outros também fragilizados economicamente, alguns perderam renda, outros empregos, outros temem ser atingidos dessa forma.

Abrir as portas, em meio a essa situação, mais as restrições impostas pelos governos (horário limitado, vedação a uso de mesas nas calçadas, lotação restrita etc), mais os custos dos protocolos, fica bem mais caro que manter as portas fechadas. A população continuará distante dos serviços essenciais prestados pelos estabelecimentos.

O setor é composto em mais de 99% por pequenas empresas, que sem faturar, podem sobreviver, quando muito, 20 dias (cálculo do SEBRAE e outras instituições). E já se passaram bem mais de cem. Se o setor não quebrou integralmente isso se deve à aprovação da lei que prorroga a possibilidade de suspender contratos de trabalho ou reduzir jornada e remuneração, assim como pela habilidade de enxugar custos em todas as áreas da atividade. Para tanto, até cartilha fizemos para a ABRASEL, como consta do site. Só isto explica o milagre da sobrevivência de tantos. Cerca de 70% ainda foi ajudado a respirar pelo delivery, que, no entanto, representa em média, entre 10% a 20% do faturamento de tempos normais e onde se tem um custo enorme cobrado pelos aplicativos.

O grande ausente foram os financiamentos, que poderiam ter ajudado dezenas de milhares a sobreviverem e terem dado esperança a outros milhares que estão fechando. Foram lançados, com pirotecnia e fanfarras, pelo menos cinco programas de financiamento pelo governo federal, mas nenhum chegou na ponta. Quando muito, 12% dos empresários os obtiveram (pesquisas da Abrasel, do IBGE etc) e assim mesmo após fazerem humilhantes romarias aos bancos, apresentarem garantia e pagarem seguros. Mais de 80% recebeu resposta negativa e a imensa maioria destes, sequer soube porque teve negado o pedido.

Note-se nisso tudo uma calamidade econômica e outra social. Quanto à primeira, bares e restaurantes são pequenas empresas, mas some-se o que contribuem para o PIB centenas de milhares, para a carga tributária, na prestação de serviços, de empregos que geram e que, portanto, não pressionam o seguro desemprego, o SUS etc. A questão social fica por conta do desemprego, centenas de milhares de famílias sem ganha pão. Inclua-se o flagelo para o turismo: o setor é a atração mais procurada e mais bem avaliada pelos turistas. Todo ele foi erguido por poupança e esforço de pequenos empreendedores.

Perante números tão expressivos, percebe-se o quanto se equívoca o ministro Paulo Guedes, ao afirmar que interessa para a economia salvar as grandes empresas. E de fato, foram algumas grandes empresas que receberam a maior parte dos financiamentos. E mesmo assim, apenas 20% do previsto foi realmente emprestado pela União.

O tempo de duração de contaminação expressiva pelo Covid, ou seus efeitos, que seja, a recessão que se seguirá, por muitos meses, desenha um panorama impactante, apocalíptico. Ainda é possível manter o milagre, impedir que tragédia maior se consuma, a extinção do restante do setor. E isso só acontecerá se o governo ou o Congresso fazerem com que alguma linha de financiamento chegue até essas centenas de milhares de estabelecimentos. É uma questão de sensatez e sensibilidade. Ou a União terá que suportar mais alguns milhões de trabalhadores pleiteando seguro desemprego. Terá como suportar?

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