Quando os planos de desenvolvimento de “Coringa” foram revelados pela Warner anos atrás, tudo era envolto em muita desconfiança. A produtora colecionava sucessos e fracassos em seu universo de super heróis em parceria com a DC Comics, a Marvel florescia com um planejamento muito melhor construído de seus filmes, interligando-os de uma maneira a qual a concorrência não conseguia copiar e prestes a concluir sua primeira saga com Vingadores – Guerra Infinita e Vingadores – Ultimato. A solução vista pelos executivos em meio à bagunça que se instaurou foi deixar o DCEU, universo compartilhado da produtora sob fase de reestruturação e focar em histórias sem muitas ligações entre si, dando maior margem e liberdade para tramas autoriais e filmes com assinaturas mais fortes de seus diretores. O cenário estava pronto para “Coringa” sair do papel, agora só faltava um diretor.
No início dos rumores sobre o filme, muito se falou na possibilidade do aclamado diretor Martin Scorcese assumir o projeto, o que acabou não se confirmando e o filme foi entregue ao diretor da franquia “Se Beber não Case”, Todd Philips, até então sem muita experiência em longas dramáticos. E entre diversos boatos de nomes cotados para o papel do Palhaço do Crime, Joaquim Phoenix era o nome pretendido pelo diretor que afirma ter escrito o personagem “para ele”. E assistindo o filme, creio que não haveria escolha mais feliz que essa.
“Coringa” é uma experiência única. Mais do que um filme de origem de um vilão icônico, talvez o maior da cultura pop, Coringa é um denso estudo de personagem que rompe qualquer amarra que o gênero de super-heróis/vilões possa ter estabelecido. Arthur Fleck é mais do que a figura central do filme. ELE É O FILME! 99% das cenas estão investidas em desvendar as nuances da mente perturbada de uma pessoa que desde cedo conviveu com os abusos e desprezo de uma sociedade em decadência moral e física. A Gotham que nos é apresentada nunca fora mais crível e cruel. Ao contrário da fantástica cidade criada pela mente de Tim Burton, diretor dos primeiros filmes do Batman da década de 90, a Gotham de Todd Philips é a retratação mais fiel de uma cidade a beira do caos. A podridão envolve tudo, desde a representação gráfica com a cidade tomada pelo lixo e por uma infestação de ratos, até as camadas das classes sociais mais altas, os ricos que dominam Gotham e não se preocupam verdadeiramente com esse colapso social. Mal sabiam seus habitantes que o pavio para que toda essa revolta explodisse já havia sido aceso pela mais doentia mente que a cidade já concebeu.
O protagonista vai se deteriorando cena após cena entre o primeiro e o segundo ato, oprimido por todos os lados e se agarrando desesperadamente no resto de sanidade que possui para se manter seguindo em frente. Mas, você enquanto expectador, pode ver o que Arthur não consegue enxergar. Não há esperança para o personagem, sua vida está consumida por esse sistema o que favorece o surgimento de uma outra personalidade que o controle sob o protagonista. A personalidade de um palhaço psicopata que não tem nada a perder, não tem apreço nenhum pela vida alheia e que pela primeira vez se sente importante, reconhecido, vivo de fato, algo interessante pois, esta epifania só ocorre quando pela primeira vez, alguém perde a vida na trama. O que abre espaço para um terceiro ato completamente imprevisível que entrega um conclusão grandiosa e perturbadora.
Tecnicamente o filme é perfeito. A cinematografia e a direção de fotografia são de uma excelência pouco vistas em produções voltadas para o grande público nos últimos anos. A trilha sonora, mais que imersiva, é parte da trama. Em alguns momentos ela lhe causa tanto temor que você é colado em sua poltrona pela tensão pungente. E falando em personagens, todos estão excelentes em seus papéis, desde os personagens de menor destaque como os colegas de trabalho do palhaço, até o incrível Robert de Niro. Apesar disso, eles não possuem muito desenvolvimento, o que ao meu ver se tornou uma escolha sensata do diretor que faz o expectador ver o filme todo o tempo sob a ótica distorcida de seu protagonista. E por falar em protagonista, creio que não há dúvidas. Joaquim Phoenix é notadamente o melhor ator de sua geração e entrega mais do que o melhor trabalho de sua carreira. Ele nos entrega uma das melhores atuações da história do cinema e cada trejeito de seu memorável Arthur Fleck ficarão eternizados na história da sétima arte. Crédito também para a direção que soube usar o talento do ator em seu exponencial máximo.
A Warner/DC mostrou fôlego renovado para cuidar de seus personagens entregando o que, para mim, foi o melhor filme de 2019. Mais do que isso. O melhor filme dos últimos anos, merecedor de diversas estatuetas douradas sem sombra de dúvidas. E com um sorriso posto em minha cara, como é repetido diversas vezes no longa, a “Coringa” eu dou NOTA 10, com louvor.
Crítica por: Wállison Lemos